A Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) afirma que o número de vacinas contra Covid-19 adquiridas pelo governo neste ano não foi suficiente para abastecer postos de saúde, e que campanhas de comunicação tímidas não estão conseguindo elevar a cobertura vacinal para a doença, que caiu após o pico da pandemia.
Segundo Alberto Chebabo, presidente da entidade, seu grupo de médicos tem colhido relatos de falta de vacina em postos de saúde de grandes cidades, e os estoques são insuficientes mesmo para a baixa demanda que o produto está tendo agora.
Segundo o Ministério da Saúde, a cobertura para a vacina bivalente (a mais atualizada, que protege contra duas cepas do vírus) está em apenas 21,6%, nível considerado insuficiente pela SBI para conter epidemias. Para o ciclo de quatro doses da vacina monovalente a cobertura também é baixa, de 19,3% da população.
Com 5.160 mortes provocadas pela doença até agora em 2024, a Covid-19 ainda é a doença infecciosa que mais mata no país. Fica empatada com a dengue, mesmo tendo recuado bastante em relação ao período mais crítico da pandemia, em 2021. A dengue teve 5.219 mortes até o fim de agosto.
A Covid-19 estava em nível relativamente baixo na primeira metade do ano, com menos casos que no ano passado, mas a terceira semana de setembro teve uma alta preocupante, com mais de 300 óbitos.
— Está faltando vacina — diz Chebabo, que fez levantamento informal para sondar a disponibilidade do produto em postos de saúde — Aqui no Rio tem algumas poucos unidades em que há sobra de vacinas do último lote, e muitas simplesmente não têm.
Segundo o médico, a situação em outras capitais do país não é muito melhor.
— Isso é responsabilidade do Ministério da Saúde, principalmente, porque o que está acontecendo agora é uma falta de distribuição das vacinas. Não é uma questão de município ou estado — afirma.
A escassez de imunizantes não ocorre só com a Covid-19. A Confederação Nacional de Municípios (CNM) alertou no mês passado que em 65% das cidades há falta de vacina para ao menos uma doença. Mas o coronavírus é o patógeno que mais preocupa agora.
Segundo Chebabo, pelo baixo nível de testagem que existe para o vírus hoje, é difícil dimensionar o tamanho do problema refletidos, por exemplo, nos casos da chamada Covid longa. As pessoas com sintomas duradouros muitas vezes se retiram do trabalho e dos estudos, causando impacto social.
— A gente vê muita complicação posterior a esses quadros virais, como trombose, aumento de doença cardiovascular ou neurológica e depressão — diz Chebabo. — Isso tudo está relacionado a um quadro que às vezes é até leve, e a pessoa nem correlaciona ao quadro gripal que ela teve anteriormente.
O Ministério da Saúde informa que liberou 3,17 milhões de doses de vacinas para distribuição no mês passado. Não houve distribuição em outubro ainda, segundo registros do Departamento de Logística em Saúde publicados no site do ministério.
A última vez que a pasta anunciou uma grande compra foi em abril, quando foram adquiridos 12 milhões de doses. As vacinas compradas do laboratório Moderna são a Comirnaty e a Spikevax, ambas monovalentes, atualizadas para cobertura contra cepas mais recentes do vírus.
O Ministério disse à reportagem do jornal O Globo, porém, afirma que ainda não conseguiu concluir a distribuição dessas doses.
“Em 2024, mais de 8,2 milhões de doses da vacina XBB contra a Covid-19 foram distribuídas aos estados”, afirma a pasta, em nota. “Em 4 de outubro, o Ministério da Saúde recebeu mais 1,2 milhão de doses, que já estão sendo enviadas aos estados. A distribuição semanal das doses segue a capacidade de recepção e armazenamento da rede de frio dos estados, que repassam as vacinas aos municípios”.
Em uma nota técnica anterior, em 26 de setembro, o órgão afirmou que o atraso se dava pela necessidade de despacho da Anvisa para distribuir parte dos lotes.
“A vacina, que é a mesma para crianças e adultos, difere apenas na dosagem. A oferta para a vacinação infantil foi menor, resultando em falta de doses em alguns estados. Durante o processo de vacinação, alguns lotes se aproximaram do vencimento, e o Ministério solicitou a substituição desses lotes por novos.”
Segundo o levantamento da CNM, a falta de doses infantis da vacina da Covid-19 afetava 770 municípios no final setembro, principalmente na região Sul. O Rio Grande do Sul anunciou que desde o último sábado já não tinha mais doses disponíveis.
Entre cidades grandes que já anunciaram paralisação na vacinação de Covid-19 em outros estados estão Feira de Santana (BA) e São José do Rio Preto (SP). No Rio, segundo a SBI, o trabalho de vacinação está sendo concentrado em alguns postos, porque não compensa abrir a vacinação em todos.
Segundo a entidade, é improvável que a epidemia volte a ter a mesma intensidade do pico em 2021, pois muitas pessoas já possuem anticorpos, ou por terem contraído o coronavírus ou por terem se vacinado. A vacinação anual, porém, é importante para conter o espalhamento de novas cepas do vírus e o aparecimento de casos graves em pessoas vulneráveis como idosos, pacientes de câncer ou transplantados.
Segundo Chebabo, a baixa demanda por vacina contribui para reduzir a pressão da sociedade pela compra do produto.
— É compreensível que exista um cansaço de todas as pessoas, porque a pandemia até 2022 foi um período muito ruim que as pessoas querem esquecer — diz o presidente da SBI. — Só que a doença continua aí. As pessoas podem até querer esquecer, mas o ministério não pode.
Em resposta às críticas da associação, o ministério afirma que já concluiu o pregão para a aquisição de mais 60 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19 contra cepas atualizadas. “O contrato assegura a validade das doses em estoque e prevê a troca de vacinas, se necessário”, diz o comunicado, sem detalhar quando o produto será recebido.
Sobre campanhas de informação, o órgão afirmou que, desde 2023 “investiu R$ 58 milhões em campanhas publicitárias para alertar a população sobre a doença e a importância da vacinação”, mas não especificou quanto desse valor foi empregado em 2024.
O Globo