O silêncio pode estar diretamente ligado à solidão, provocando uma sensação de desamparo. Ou simbolizar um momento de introspecção, falta de interesse, ausência de diálogo, distanciamento do convívio social. No entanto, é preciso desmistificar o silenciar que, nem sempre está associado aos sentimentos negativos, pois dar um tempo ao cérebro pode ser bastante saudável. Tanto psicologicamente quanto cientificamente.
Um estudo realizado em 2013, em ratos, publicado na revista Brain, Structure and Function, mostrou o efeito do som e do silêncio sobre o cérebro deles. E os cientistas descobriram que, quando ao serem expostos a duas horas de silêncio diário, foram desenvolvidas novas células no hipocampo, região do cérebro associada à memória, emoção e aprendizagem.
“O silêncio pode gerar um pequeno estresse, ativando o córtex auditivo (área cerebral responsável pela audição), mas isso não é prejudicial, afinal ativa áreas cerebrais preparando o cérebro para uma alteração cognitiva, portanto, melhorando a atenção, a memorização e a aprendizagem”, detalha a neurologista Sara Casagrande, especialista em Distúrbios do Movimento, Estimulação Cerebral Profunda (DBS) e membro da Associação Brasileira de Neurologia (ABN).
O estresse, sempre ele, é prejudicial à saúde cerebral, e o excesso de barulho contribui muito para ativá-lo. O estresse pode reduzir as projeções entre diferentes camadas de células do hipocampo, em tempo relativamente curto, horas inclusive. “Essa estrutura participa da consolidação da memória, e também de uma rede neuronal ampla que está relacionada com as emoções”, afirma biomédico Odival Cezar, docente do departamento de Ciências Fisiológicas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E um ambiente ruidoso pode induzir estresse, causando prejuízo emocional e de memória.
De acordo com o psiquiatra Rodrigo Leite, coordenador dos Ambulatórios do Instituto de Psiquiatria (IPq) da Universidade de São Paulo, a poluição sonora transforma-se em ondas sonoras captadas pelos ossos da orelha, transmitindo essa vibração para a cóclea [estrutura do sistema auditivo], que viram sinais elétricos integrado ao torno encefálico. “Essas informações se conectam provocando uma reação que mantém a amígdala [região cerebral que manifesta reações emocionais] ativada por estímulos auditivos, gerando um estado de vigília cerebral e atenção continuada, gastando energia e aumentando o nível de cortisol, portando elevando o estresse”, informa.
Um estudo publicado em 2002, no periódico Psychological Science examinou os efeitos causados pela exposição ao ruído de um aeroporto e, confirmou que a resposta ao estresse é capaz de fazer com que o ruído seja ignorado. Para Sara Casagrande, isso mostra que o organismo pode criar um mecanismo compensatório, acostumando-se ao barulho. “E essa liberação de hormônio do estresse (cortisol) é perigosa, pois tira mecanismos de alerta do corpo, além de interferir no processo de cognição”.
Para quem vive nas grandes cidades parece praticamente impossível se desligar dos estímulos externos. Conversas, avisos sonoros, buzinas, enfim é uma quantidade incalculável de barulhos que nos invadem de maneia involuntária. No entanto, existem pequenos hábitos que podem ser alterados ajudando neste processo, como por exemplo, os alertas de celular.
Rodrigo Leite alerta que vivemos em um momento de sobrecarga sensorial, com estímulos auditivos que não dão folga nem durante o sono. “Manter os sinais de alertas do celular ativados na hora de dormir afeta a saúde mental, pois o sono é responsável pela consolidação da memória”. A neurologista diz que, ao tentar diminuir um pouco os barulhos estressores, já é possível controlar a ativação cerebral, evitando estresse, angústia, ansiedade. É uma mudança de hábito que pode começar com pequenos sons, até conseguir silenciar com mais frequência para se valer dos seus efeitos benéficos.
Gabriela Bal, que fez mestrado e doutorado em Ciências da Religião na PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e tem mestrado sobre o silêncio também pela PUC-SP, explica que o sinônimo de silêncio é a contemplação. E, muitas vezes, o excesso de estímulos (os barulhos do dia a dia) nos impede de realizar essa conexão. ?Para silenciar, no entanto, não basta apenas a ausência de barulho, mas afastar também os pensamentos ruidosos?, afirma. E aprendendo a silenciar externo e interno fica possível valer-se dos benefícios dessa calmaria que, podem ser pequenos instantes, mas que já fazem uma enorme diferença à saúde mental.
Portanto, dar uma trégua por alguns minutos, já pode ser um alívio para o turbilhão de pensamentos que invadem a nossa mente. De uma forma mais filosófica, Bal mostra que, silenciar não exige muitos rituais, basta conectar-se com o presente. E neste caso, técnicas de respiração e meditação podem ajudar a desligar a chave por alguns momentos.
Uol