O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, votou para absolver o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) de todas as acusações feitas pela Procuradoria-Geral da República (PGR). O mesmo vale para o ex-comandante da Marinha, Almir Garnier, e para o general Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa.
Quanto ao ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, e o ex-ministro de Bolsonaro e candidato a vice na chapa de 2022, Walter Braga Netto, o magistrado os poupou de quatro delitos, condenando-os parcialmente por tentativa de abolição violenta do Estado Democrática de Direito.
Há outros quatro réus na ação penal sobre o “núcleo 1” da trama golpista de 2022. As acusações são de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
O voto de Luiz Fux foi lido durante toda esta quarta-feira (10), em sessão que começou às 9h, no segundo dia de votação pela Primeira Turma do STF. Ele foi o terceiro ministro a se manifestar, abrindo divergência em relação a Alexandre de Moraes. Assim, o placar parcial ficou em 2×1 pela condenação do político.
Fux ainda votou pela suspensão da ação penal contra Alexandre Ramagem (PL), ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e atual deputado federal pelo Rio de Janeiro. Outro destaque da sua leitura nesta quarta foi a anulação da acusação da PGR sobre participação em organização criminosa armada a todos os réus.
“Incompetência” e “cerceamento de defesa”
No início do voto, o ministro Luiz Fux analisou as preliminares e afirmou que o Supremo Tribunal Federal seria “incompetente” para julgar o caso, uma vez que há réus sem prerrogativa de foro.
“Compete ao STF principalmente a guarda da Constituição, cabendo-lhe processar e julgar originariamente nas infrações penais comuns o presidente da República, o vice-presidente da República, os membros do Congresso Nacional, seus próprios ministros e o PGR. O primeiro pressuposto que o ministro deve analisar antes de ingressar na denúncia ou petição inicial é verificar se ele é competente”, disse.
Fux também acolheu outra preliminar apresentada pelas defesas de que os réus deveriam ser julgados pelo Plenário ou, alternativamente, que o caso fosse remetido à primeira instância.
“Ao rebaixar a competência original do plenário para uma das turmas, estaríamos silenciando as vozes de ministros que poderiam esterilizar a formar de pensar sobre os fatos a serem julgados nesta ação penal. A Constituição Federal não se refere às Turmas, ela se refere ao plenário e seria realmente ideal que tudo fosse julgado pelo plenário do STF com a racionalidade funcional”, disse.
“Nós estamos diante de uma incompetência absoluta, que é impassível de ser desprezada como vício intrínseco ao processo” Luiz Fux
Em seguida, ele passou a analisar — e acolheu — a alegação de cerceamento de defesa, citada pelos advogados dos réus. Os defensores queixaram-se que a Polícia Federal (PF) disponibilizou um volume muito grande e desorganizado de dados para serem analisados em um curto período de tempo.
“A garantia do contraditório e da ampla defesa, incorporada ao Direito ocidental ao longo do tempo, já era ressaltada na obra do filósofo histórico Sêneca e afirmava: ‘quem decide o que quer que seja sem ouvir a outra parte, mesmo que decida com justiça, efetivamente não é justo.’ Isso é repetido ao longo dos anos na Declaração Universal dos Direitos do Homens, adotado pela Assembleia-Geral da ONU em 1948”, disse.
“Nem acreditei porque são bilhões de páginas e, apenas em 30 de abril de 2025, portanto mais de um mês após receber a denúncia, em menos de 20 dias foi proferida a decisão deferindo a entrega de mídias e dos materiais apreendidos” Luiz Fux
Sobre a validade da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, Fux acompanhou a análise da Procuradoria Geral da República e do relator Alexandre de Moraes, acolhendo o acordo com os benefícios ao réu.
“O réu colaborou com as delações sempre acompanhado de advogado. E as advertências pontuais feitas pelo delator do descumprimento do pacto, isso faz parte do rol de perguntas que se pode fazer ao colaborador. O colaborador acabou se autoincriminando”, disse.
“O réu chamado para um complexo de crimes como esse. Ele não foi chamado para inventar, mas para fatos novos que a própria polícia noticiava a ele” Luiz Fux
Organização criminosa
Após as preliminares, Fux partiu para analisar o mérito das acusações.
O magistrado rejeitou a acusação organização criminosa alegando que a conduta “exige mais do que a reunião de vários agentes para a prática de delitos”.
“Ainda que os agentes discutam durante vários meses se devem ou não praticar determinado delito, o caso cai no âmbito da reprovação moral e social. Mas não possibilita a atuação do Direito Penal. Se os agentes finalmente decidirem praticar atos e aqueles delitos planejados, responderão de acordo com sua respectiva autoria e participação”, disse Fux.
Ao tratar da organização criminosa com emprego de arma, ele também afastou o tipo criminal da ação dos réus. O ministro argumentou que a denúncia não indica que os réus tenham empregado arma de fogo. “É preciso que a denúncia narre e comprove efetivo emprego de arma de fogo por algum membro do grupo durante as atividades da organização criminosa”, ressaltou.
“Sempre que presente imputação de crimes a uma pluralidade de agentes e não esteja narrada a finalidade de praticar delitos indeterminados, bem como se não houver plano de praticar, de modo estável e permanente, crimes punidos com essa sanção, afasta a incidência do crime associativo autônomo, atraindo em tese as regras concernentes ao concurso de pessoas” Luiz Fux
Em seguida, o ministro voltou a defender a tese de que, no caso analisado, a imputação de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e o golpe de Estado configuram dupla criminalização da mesma conduta. “Essa dupla incidência típica, no meu modo de ver, revelou-se equivocada”, disse.
Dano qualificado e ao patrimônio
Sobre a conduta, Fux ponderou que os danos ao patrimônio foram com o objetivo de tomada de poder, não com a finalidade de destruir os bens públicos, portanto, o dano seria um meio para a conduta criminosa finalística.
“Como a própria denúncia informa, o intuito era realizar o ganho de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito e de crime de golpe de Estado. Ou seja, crimes bem mais graves do que o de dano”, disse.
Segundo ele, não há evidências de que os réus incitaram ou se omitiram de responsabilidade de impedir os danos patrimoniais no 8 de Janeiro de 2023. Par Fux, na verdade, o réu Anderson Torres, que estava no exterior, agiu para impedir as ações golpistas naquele dia.
“Não há prova nos autos de que os réus tenham ordenado a destruição e depois se omitido. Pelo contrário, há evidências de que assim que a destruição começou, um dos réus tomou medidas para evitar que o edifício do Supremo fosse invadido pelos vândalos. Atestei pelas provas dos autos que o réu Anderson Torres assim agiu” Luiz Fux
Golpe de estado e abolição do Estado Democrático de Direito
Fux também minimizou a conduta dos réus e de seus seguidores, apontando que “os acampamentos, faixas e aglomerações” são parte das manifestações democráticas.
“Não configuram crimes eventuais acampamentos, manifestações, faixas e aglomerações que consistem em manifestação política com propósitos sociais, assim entendido o desejo sincero de participar do alto governo democrático, mesmo quando isso inclua a resignação pacífica contra os poderes públicos”, disse o ministro.
O magistrado argumentou que não se pode caracterizar golpe de Estado em investidas contra governos eleitos quando não há a deposição efetiva de um mandatário.
“Dessa forma, com a devida vênia, não satisfaz o núcleo do tipo penal comportamentos de turbas desordenadas ou iniciativas esparsas, despidas de organização e articulação mínimas para afetar o funcionamento dos poderes constituídos. Entendimento contrário poderia conduzir a caracterização desse crime com enorme frequência. A história brasileira recente é permeada por diversas manifestações coletivas de cunho político com episódios lamentáveis de violência generalizada e depredação do patrimônio público e privado” Luiz Fux
O ministro ainda argumentou que não houve crime na discussão das minutas golpistas por parte de Bolsonaro e os chefes das Forças Armadas. Uma medida mais enérgica pode ter sido cogitada pelo ex-presidente, mas somente isso não configura ato executório para um golpe de Estado, segundo Fux.
“A PGR disse que o documento de finalização do golpe era preparado pelo grupo e acompanhado de perto por Jair Messias Bolsonaro, mas a acusação não logrou indicar exatamente qual documento teria sido apresentado ou discutido na reunião, sendo certo que o seu conteúdo não veio aos autos”, disse.
“Essas contradições e falhas (da acusação) que, ao meu modo de ver, estão intrinsecamente na acusação, vão ser tornando cada vez mais […] insustentáveis à medida que a narrativa avança. E até aqui, como se nota, não há provas que sustentam um édito condenatório. O édito condenatório deve trazer paz de espírito ao juiz ao condenar”, declarou, ainda.
Para Fux, também não há provas de que Bolsonaro tinha ciência do plano Punhal Verde e Amarelo, para matar autoridades, como o presidente Lula.
Análise das condutas individuais
Seguindo seu voto, Fux passou a analisar as condutas individuais de cada réu.
Mauro Cid
No caso de Mauro Cid, o magistrado votos pela condenação parcial por tentativa de abolição violenta do Estado Democrática de Direito, defendendo a improcedência das acusações de tentativa de golpe de Estado; participação em organização criminosa armada; dano qualificado; e deterioração de patrimônio tombado.
Almir Garnier
O magistrado votou pela improcedência de todas as acusações contra o almirante da reserva e ex-comandante da Marinha.
Jair Bolsonaro
Fux votou pela absolvição de Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado democrático de direito, já que, no seu entendimento, a responsabilidade criminal não foi provada pela PGR.
As acusações sobre organização criminosa armada, dano qualificado pela violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado também foram rejeitadas por Fux.
Walter Braga Netto
Fux se posicionou pela procedência da acusação quanto ao crime de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Segundo o magistrado, “Braga Netto planejou e financiou o início da execução de atos destinados a ceifar a vida do relator desta ação penal, ministro Alexandre de Moraes”.
Paulo Sérgio Nogueira
O ex-ministro da Defesa foi absolvido de todas as acusações no voto de Fux.
Augusto Heleno
Fux absolveu Augusto Heleno, ex-ministro do GSI conhecido General Heleno, de todos os crimes.
Anderson Torres
Fux votou para absolver Anderson Torres sob o argumento de que não há ‘qualquer prova’.
Alexandre Ramagem
O ministro decidiu que Ramagem também deve ser absolvido de todos os crimes imputados.
Como está o placar do julgamento?
O julgamento está com dois votos para a condenação do grupo: o relator, ministro Alexandre de Moraes, votou nessa terça-feira (9) para condenar os réus, e foi seguido pelo ministro Flávio Dino. A decisão é tomada por maioria simples – então, se mais um magistrado votar a favor, Bolsonaro e os aliados serão sentenciados.
A ação penal 2668 trata de denúncia oferecida pela Procuradoria Geral da República (PGR). São acusados 31 réus, divididos em quatro núcleos:
- Núcleo 1: envolve oito réus, incluindo Bolsonaro, e é considerado o núcleo “central” ou “crucial” da articulação golpista.
- Núcleo 2: conta com seis réus que são acusados de disseminar informações falsas e ataques a instituições democráticas.
- Núcleo 3: é formado por dez réus associados a ataques ao sistema eleitoral e à preparação da ruptura institucional.
- Núcleo 4: sete réus serão julgados por propagação de desinformação e incitação de ataques às instituições.
Quem faz parte do ‘núcleo 1’?
- Jair Bolsonaro, ex-presidente da República;
- Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin e atual deputado federal;
- Almir Garnier, almirante da reserva e ex-comandante da Marinha;
- Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do DF;
- Augusto Heleno, general da reserva e ex-ministro do GSI;
- Mauro Cid, tenente-coronel da reserva e ex-ajudante de ordens da Presidência;
- Paulo Sérgio Nogueira, general da reserva e ex-ministro da Defesa;
- Walter Braga Netto, general da reserva e ex-ministro da Casa Civil, além de candidato a vice-presidente em 2022.
Quais são os crimes julgados?
- Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito;
- Tentativa de golpe de Estado;
- Participação em organização criminosa armada;
- Dano qualificado;
- Deterioração de patrimônio tombado.
Como votaram Moraes e Dino?
Os votos dos ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino preencheram as sessões dessa terça. Ambos encaminharam a condenação de Bolsonaro e outros sete réus e defenderam a legalidade da delação de Mauro Cid.
O primeiro, como relator do processo, discorreu sobre 13 pontos para embasar suas falas, apontando o ex-presidente como líder da organização criminosa que atentou contra o Estado Democrático de Direito de julho de 2021 até 8 de janeiro de 2023.
A cronologia de fatos delituosos citada pelo ministro incluiu declarações de Bolsonaro e aliados pela “desinformação” sobre o sistema eleitoral, o ato de 7 de Setembro de 2021, reunião com embaixadores e interceptação de eleitores feita pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) no dia da eleição de 2022.
O relator ainda citou a reunião dos Kids Pretos, a tentativa de atentado à bomba no Aeroporto de Brasília e os atos violentos no dia da diplomação da chapa eleita, liderada pelo presidente Lula (PT). Ao imputar Bolsonaro como líder da organização criminosa, Moraes também mencionou uma longa lista de declarações do ex-presidente, apontadas pelo relator como ameaças ao Judiciário.
Para Moraes, não há dúvida sobre a incidência dos tipos penais analisados.
“Isso não é conversa de bar, não é alguém no clube conversando com amigo, isso é um presidente da República, no 7 de Setembro, a data da Independência de Brasil, instigando milhares de pessoas contra o Supremo Tribunal Federal, contra o Judiciário e, especificamente, contra um ministro do Supremo Tribunal Federal”, disse o relator.
Já Flávio Dino reforçou que debates e pressões realizados além dos autos não afetam a decisão dos magistrados. “Quem veste esta capa tem proteção psicológica suficiente para se manter distante disso, talvez por isso vista a capa”, disse. O magistrado pontuou ainda que os crimes julgados no processo são “insuscetíveis de anistia”.
Dino defendeu que os réus e seus seguidores agiram efetivamente com violência e grave ameaça, relembrando declarações contra o cumprimento de ordens judiciais, rompimento de barreiras policiais, tentativas de ataque com uso de bombas e ameaça a juízes. “A violência é inerente a toda essa narrativa”, disse.
“Os acampamentos não foram em porta de igreja (…) Creio que, se você está com o intuito pacifista, tem uma irresignação, você vai à missa, ao culto, quem sabe até acampa na porta da igreja, mas não, os acampamentos foram na porta dos quartéis”, complementou.
Ele apontou, ainda, diferentes níveis de responsabilidade entre os acusados. Segundo ele, o ex-presidente Jair Bolsonaro e o ex-ministro Braga Netto tinham o domínio dos eventos e protagonizaram as ameaças mais contundentes à democracia. Anderson Torres, então ministro da Justiça e Segurança Pública, também foi citado pela reunião ministerial, pela operação da PRF para dificultar o voto e pela minuta do golpe.
Por sua vez, Mauro Cid teria atuado em diversas frentes da trama. O almirante Almir Garnier também foi mencionado por Dino pela aquiescência às iniciativas golpistas.
Em relação ao general Paulo Sérgio Nogueira, acusado de convocar de reuniões e se envolver com a minuta de decreto; Alexandre Ramagem, que comandava a Abin; e o general Augusto Heleno, chefe do GSI, há menores graus de culpabilidade, na análise de Dino. Os atos deles, segundo o ministro, tiveram eficiência causal reduzida — no caso de Ramagem, por ter deixado o governo em março de 2022; de Heleno, por não ter atos exteriorizados no segundo semestre; e de Paulo Sérgio, por aparentemente ter desistido da trama diante de resistências internas.